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sexta-feira, 10 de maio de 2013

Economia brasileira não volta a ter expansão de 7%. Alguma dúvida?


Leio na FOLHA entrevista com o economista Dani Rodrik, professor de política econômica internacional da Universidade Harvard e um dos maiores especialistas em economia do desenvolvimento.

Segundo Rodrik, o ambiente global benéfico -- alto crescimento da China, elevados preços das commodities, países avançados em expansão -- não vai se repetir. "É realista esperar uma taxa de crescimento de 3% a 4% no Brasil", disse à Folha Rodrik, que participou de seminário da revista "Carta Capital".

Folha - O Brasil cresceu 0,9% em 2012 e há uma percepção de que o modelo de crescimento baseado em consumo se esgotou. O que o sr. acha?
Dani Rodrik - Dois anos atrás, todo mundo dizia que o Brasil estava vivendo um novo milagre econômico. Eu achava que era um enorme exagero. Agora, as pessoas estão tirando conclusões apressadas em cima de apenas um ano de crescimento.
O Brasil não vai mais crescer 7%, como no milagre econômico antes da crise da dívida ou mesmo em 2010 [7,5%]. É realista esperar uma taxa de crescimento de 3% a 4%. Se o contexto global ajudar, 5% será uma taxa razoável.

O sr diz que, a partir de agora, alto crescimento no mundo será exceção. Como se situa o Brasil nesse cenário? As condições que permitiram crescimento de 7% a 8% não vão se repetir. Antes, tínhamos os estágios iniciais da industrialização --ao tirar mão de obra da zona rural ou do setor informal e levar para as indústrias, tínhamos ganhos de 400% na produtividade. Agora, não teremos grandes ganhos sem mais investimentos em educação e tecnologia. Com as mudanças tecnológicas, a indústria é muito mais intensiva em capital e não absorve tanta mão de obra. E o Brasil, na realidade, já atingiu o pico de industrialização e está agora se desindustrializando. Mas isso é verdade para a maioria dos países. É inevitável. A discussão agora é a velocidade da desindustrialização, se está mais rápida do que deveria. A indústria não mais será o motor do crescimento. Serviços e outras áreas irão gerar ganhos de produtividade.

O sr. ficou decepcionado com a decisão dos Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] de criar um banco de desenvolvimento... Essa é uma noção dos anos 50, de que é preciso ter financiamento de infraestrutura. Frequentemente, o que emperra o desenvolvimento não é a falta de financiamento, mas sim instituições frágeis, excesso de regulação, falta de política industrial e moedas sobrevalorizadas. Financiamento é apenas um dos fatores. Não me parece o foco apropriado para os Brics. Faltam ideias novas de como consertar a globalização e criar uma nova relação entre emergentes e ricos.

O sr. diz que os Brics precisam parar de se comportar como "suplicantes". Qual é a mensagem que o Brasil deveria passar nos foros mundiais? Gostaria de ver o Brasil abordar o sistema internacional não como um país em desenvolvimento dizendo que é pobre e precisa de ajuda. Em vez disso, o Brasil precisa se posicionar como formador de políticas, que também tem grandes responsabilidades. Em áreas como mudança climática, por exemplo, não haverá redução de emissões se os emergentes não assumirem responsabilidade.

O que o sr. espera de Roberto Azevêdo à frente da Organização Mundial do Comércio? A agenda da OMC precisa mudar. A Rodada Doha morreu e as pessoas deveriam simplesmente declarar isso. O real desafio para a OMC é estabelecer uma nova narrativa, que não se restrinja a: "você reduz suas tarifas e em troca nós abrimos nossos mercados". No momento, o maior problema não é a falta de abertura comercial.
E o Brasil precisa mudar sua atitude. O Brasil ocasionalmente precisa proteger sua indústria, mas tem de entender que os países ricos passam por uma situação muito difícil e também precisam proteger a sua indústria. O Brasil, apesar de todas as elevações de tarifas recentes, não pode ser chamado de economia fechada. Aliás, acho que a atual estrutura de tarifas no Brasil é até positiva.

Por quê? Porque, na margem, está dando uma proteção temporária para algumas indústrias que estão sendo dizimadas pela valorização da moeda. Vivemos no mundo possível, não no mundo doutrinário.

Qual é a importância de ter um brasileiro liderando a OMC? O Brasil pode levar para a OMC uma abordagem pragmática, não doutrinária, que é uma evolução da proposta radical de livre mercado --é assim a política econômica do Brasil atualmente. Então ter um brasileiro no comando da OMC é muito positivo.

O sr. classifica os países de mercantilistas ou liberais. Em que faixa se situa o Brasil?
O Brasil é uma boa mistura -- usa regras liberais em seu sistema financeiro, políticas monetária e cambial, mas é mais mercantilista no que se refere às políticas industriais, proteção por tarifas, regras de conteúdo local e uso do BNDES. Talvez precise de menos liberalismo no fronte macroeconômico e mais no fronte comercial.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A entrevista de Delfim Netto na FOLHA DE S. PAULO.


ANTONIO DELFIM NETTO em entrevista, hoje, na FOLHA DE S. PAULO. 

Folha - O senhor adotou um tom mais crítico em relação ao governo. O que o levou a isso?
Antonio Delfim Netto - Não mudou o tom coisa nenhuma. Eu acho que a política do Lula era boa. Considero a Dilma uma tecnocrata de altíssima qualidade. Tudo o que ela está fazendo está na direção certa. Começando com aquela intervenção na poupança, a redução dos juros, a redução do custo de energia.
O que eu digo é o seguinte, a minha mudança...
Chamei a atenção para uma coisa que foi exagerada, a operação quadrangular entre Tesouro, BNDES, Caixa Econômica. Aquilo diminui a credibilidade da política. Você não precisava do superavit primário de 3,1% [do PIB]; com 2% você fazia o serviço.

Os investidores parecem estar menos confiantes no governo.
O governo não tem conseguido produzir leilões capazes de atrair a iniciativa privada. Tenta fixar coisas que não podem ser fixadas simultaneamente.
Você pode fixar a qualidade da concessão. E depois fazer um leilão competitivo em que é determinada a taxa de retorno. Esse é o modelo ideal. Ou você fixa a taxa de retorno e o mercado vai responder com a porcaria que cabe dentro da taxa de retorno. O governo não pode é fixar as duas coisas ao mesmo tempo. Se ele não se afastar desse modelo, a qualidade dos serviços não será a desejada.

E a infraestrutura do país continuará com problemas?
Sim, nossa infraestrutura continuará em dificuldades.

Isso impacta o crescimento?
Não há razão para o Brasil não poder crescer entre 3,5% e 4% neste ano. Mas vai depender do nível de investimento. Se você conseguir concessões com qualidade razoável e taxa de retorno adequada, vai atrair o investimento privado.

O que mais o governo pode fazer para recuperar a confiança do setor privado?
Há medidas como a desoneração da folha de pagamento junto com a relativa desvalorização do real que estão produzindo efeitos importantes na estrutura produtiva e na própria exportação.
Mas, quando o governo faz uma intervenção intempestiva no câmbio, aquelas pessoas que tomaram o risco de acreditar na política de desoneração e de câmbio entram em estado de estresse.

O sr. se refere à intervenção do BC [para valorizar o real]?
É. Essa ideia de que corrigir cinco centavos no câmbio muda a expectativa de inflação é absurda.
Produziu algum efeito terrível físico? Não. Mas produziu uma dificuldade na credibilidade do governo.
Não se pode estressar mais o setor industrial.

O sr. também tem criticado os incentivos a setores escolhidos por meio do BNDES.
É verdade, acho que essa não é uma política das mais inteligentes, formar oligopsônios [em que poucas empresas, de grande porte, compram determinado produto] e oligopólios com recursos do Tesouro, porque é óbvio que não são instrumentos eficientes no processo competitivo. São contra a competição. Mas isso vem de muito tempo. Não tem nada a ver com a Dilma.

Vem do governo Lula?
Sim, vem do governo Lula. Tanto quanto sei até hoje, essa não é uma coisa que termine bem.

Como termina?
Com mais inflação.

A inflação hoje é um risco?
Não acredito. A inflação vai flutuar um pouco. O BC continua com os instrumentos, tem autonomia. É um erro imaginar que não opere. Como é um erro imaginar que o governo não saiba administrar essa política econômica.

O que tem acontecido de melhor no país?
O lado bom é que as instituições estão muito mais fortes do que sempre estiveram. O Brasil é o emergente que tem as instituições mais sólidas, como prova esse julgamento do STF [do mensalão]. E, mesmo que tenha crescido pouco, temos crescido reduzindo a desigualdade. A redução da desigualdade é tão importante quanto o crescimento.
E estou convencido: se o governo corrigir essas pequenas coisas, vamos crescer entre 3,5% e 4%. Se não corrigir, vamos ter um crescimento menor. Mas não significa que o Brasil vai entrar em estagnação. Simplesmente vai ter crescimento menor.

Mas isso não seria ruim?
É claro que um crescimento maior é melhor, desde que acompanhado desse aumento de igualdade de oportunidade. Este é o ponto central: estamos construindo uma sociedade mais decente, dando à economia de mercado o que falta a ela, que é a redução da flutuação no nível de emprego e o aumento da oportunidade de igualdade. Não há razão para esse catastrofismo que se apropriou do país.
O erro do truque fiscal produziu esse efeito. Permitiu que se generalizasse a ideia de que o governo não sabe o que está fazendo. Duvido que o governo repita esse erro.

sábado, 8 de setembro de 2012

Delfim na Folha - entrevista.


Abaixo recente entrevista de Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento à FOLHA/UOL

Folha - O endividamento no Brasil está muito alto? A inadimplência no financiamento de automóveis está batendo recordes...
Antonio Delfim Netto - O crédito no Brasil era e ainda é muito baixo. O crédito imobiliário por exemplo, ainda é ridiculamente baixo. Essa ideia dos economistas de que você não deve comprar carro porque é pobre não vale. O sujeito sabe que só vai viver uma vez. Se você for a Cotia, vai ver um sujeito que conserva seu DKW produzido em 1947, 1950. Para quê? Para no domingo chegar à missa, ele, a mulher e os dois filhinhos, com seu DKW. É o status. É claro que o brasileiro gosta de consumir. Quem não gosta?

Mas o sr. não acha o nível de poupança muito baixo?
Com o vento da China e a expansão do mundo, nos transformamos num país credor. Hoje temos cerca de US$ 370 bilhões de reservas. Então durante algum tempo você pode deixar abrir a boca entre consumo e produção.

Ainda dá?
Acho que já abriu demais. Estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado.

Acha preocupante a deterioração nas contas externas?
Ela é produto da própria política que nós adotamos. Com uma taxa de juros interna muito superior à externa, a taxa de câmbio deixa de ser um preço relativo e passa a ser um ativo financeiro. Sempre brinco e é verdade -nos últimos 10 ou 12 anos, o Brasil foi o último peru com farofa disponível na mesa do mercado internacional fora do Dia de Ação de Graças.

O Brasil continua sendo o último peru com farofa?
Agora está diminuindo. Os riscos cresceram, houve correção. Mas o governo produziu a maior supervalorização do real durante 12, 15 anos. Isso tem um efeito devastador. E só pôde ser feito porque estamos montados em reservas e na ideia de que temos um câmbio flexível, e, eventualmente, se houver um problema, o câmbio vai para cima e corrige tudo. E também porque os credores ainda acreditam na gente.

Por que ficamos tão abaixo de outros países, como Chile, México, Peru...
O Brasil cresceu durante 30 anos 7,5% ao ano. Depois veio a do petróleo. Agora está se recuperando lentamente. Todo mundo sabe que o setor privado é mais eficiente que o público. Quando o Brasil crescia 7,5%, a carga tributária bruta era 24% e o governo investia 4,5% do PIB. Hoje a carga é 35% e o governo não investe nem 2% do PIB. É uma questão de aritmética. Eu tiro recursos do setor privado e transfiro para o setor público, de menor produtividade. A taxa de crescimento vai cair.

O senhor concorda que a taxa de investimento deveria chegar a 25%?
Para em 2030 a gente ter uma renda per capita em paridade de poder de compra parecida com a de Portugal, nenhuma grande ambição, precisa crescer 5% ao ano. Em 2030, vamos ter que dar empregos de boa qualidade para a população entre 15 e 64 anos, que será 150 milhões. Será que este modelo que está aí é capaz de produzir isso? Nosso setor agroindustrial é ultrassofisticado, mas poupador de mão de obra. O de extração mineral -incluindo petróleo-, também é muito produtivo e eficiente, mas poupador de mão de obra. Só podemos ter essa sociedade que queremos desenvolvendo indústria e serviços. Serviços vão se desenvolver naturalmente no processo civilizatório. A atividade industrial é fundamental para gerar esses empregos.

Mas como se refortalece a indústria?
Precisamos fazer aqui uma plataforma exportadora que é também importadora.  Você não precisa produzir a geladeira inteira, nem 70% da geladeira. Precisa ter sua geladeira inscrita dentro de uma estrutura produtiva eficiente. Em que ela não serve apenas um mercado que é um porcentual do nosso PIB. Ela vai servir o mercado mundial. Não há país nenhum do mundo onde o Estado não tenha sido fator fundamental no estímulo ao crescimento. Mas o que o Brasil fez nos últimos 25 anos? Aumentou todos os custos dos produtos básicos e liberou a importação dos produtos finais.

O programa de concessões anunciado pela presidente vai no caminho certo?
A mudança é muito mais profunda do que parece. É a superação na inegável desconfiança mútua entre o governo e o setor privado.

O que o sr. acha da proposta de a Infraero manter 51% dos aeroportos a serem leiloados?
É um problema exagerado, como nós exageramos no petróleo. Não tem razão de a Petrobras correr todos os riscos. Isso vai ter que mudar.

Muitos economistas que admiram o sr. dizem que talvez sua benevolência com o governo federal seja porque o sr. odeia a unanimidade....
Não acredito no Nelson Rodrigues, a unanimidade não é necessariamente burra. Eu tenho um entusiasmo, porque estamos construindo uma nação decente. A inclusão social é uma revolução feita pela educação da mulher. Ela introjetou a ideia de que eu só posso subir, se eu me educar. E isso mudou a estrutura demográfica. Se alguém dissesse na época para mim e para o Campos [Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento] que a taxa de fecundidade iria ser 1,9 por mulher -era 6,4... A grande revolução brasileira foi a revolução das mulheres. Elas se educaram muito mais depressa e progrediram muito mais que os homens. Era uma senhora que prestava serviços domésticos, foi promovida a manicure, cabeleireira, preparou-se um pouco mais, foi pro call center, virou caixa do supermercado. Ela usava sabão de coco, agora usa Dove. Só um economista maluco acha que vai conseguir fazer ela voltar a usar sabão de coco aumentando a taxa de juros. 

sábado, 25 de agosto de 2012

Entrevista na FOLHA com Mônica de Bolle.


Hoje na FOLHA  uma boa entrevista com a economista Mônica Baumgarten de Bolle, 40, diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças, local que reúne economistas de pensamento liberal, muitos deles formados na PUC-RJ.

Leia abaixo trechos da entrevista à Folha.

Folha - Por que a economia está parada?
Mônica de Bolle - A indústria, que não vai bem há pelo menos dois anos, é em parte responsável. O segundo fator foi uma quebra de safra agrícola brutal. Isso e o baixo crescimento nos EUA, a recessão na Europa e a desaceleração na China explicam o PIB do primeiro semestre.

Como fazer para tirar a economia dessa situação?
Mais investimento. No início dos anos 2000, a taxa de investimento do Brasil era de 15% sobre o PIB. Hoje está em torno de 19%, muito aquém de países como Chile, que investe perto de 28%, e México, 25%. Numa conta rápida, precisamos investir ao menos 8% a mais por ano para chegar a taxas comparáveis a essas nos próximos cinco anos.

O que a sra. achou do pacote de concessões em infraestrutura lançado pela presidente Dilma Rousseff?
O anúncio carrega sinalizações importantes, como o reconhecimento de que existe um problema grave de infraestrutura no país. O mais importante é a mudança de posição do governo em relação à participação do setor privado nos grandes projetos. Mas nada disso vai ter um efeito de curto prazo.

A sra. concorda que a política de crescimento econômico com base no incentivo ao consumo está se esgotando?
Não gosto desse bordão e não acho que seja verdade. Houve incentivo ao consumo, sim, e muito. Mas o crescimento de 2004 a 2010 veio também do investimento e do gasto público. Agora as famílias estão amortizando suas dívidas em um cenário de queda de juros e de pleno emprego. São condições ótimas para a volta do consumo.

Como temos pleno emprego no Brasil se a indústria vai mal e economia anda de lado?
O perfil da economia brasileira mudou. O setor de serviços, intensivo em mão de obra, ganhou espaço onde a indústria perdeu.

Quais os riscos de uma economia mais baseada em serviços do que em indústria?
Não existe na literatura acadêmica evidência de que a indústria seja superior a serviços em investimento, tecnologia e produtividade. Não dá para comparar cabeleireiro com fabricante de equipamentos para poços de petróleo. Mas o setor de serviços não é só isso. Pode incluir pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de ponta.

Qual o papel da indústria na reativação da economia?
Pelo visto o país quer um setor industrial grande. Há basicamente dois modelos. Os EUA têm o que eu chamo de indústria hipermercado. Produzem de tudo, de sapato a equipamentos médicos de alta tecnologia. Já alemães e coreanos focam em engenharia e tecnologia de ponta. São modelos, e precisamos encontrar o nosso. Com o grau de globalização do mundo, não é razoável acharmos que vamos produzir o que quer quer seja como a China, que tem mão de obra mais barata.

Qual seria nossa vocação?
Um setor que é fantástico e altamente competitivo, e que as pessoas não enxergam como indústria, é o agroindustrial. Com essa infraestrutura em frangalhos que temos, como um produtor lá no interior do Brasil consegue escoar sua produção para o porto e vender no exterior a um preço competitivo?

Qual sua expectativa para o PIB em 2012?
Acho que em 2013 chegamos perto de 4%. Neste ano, está praticamente impossível crescer mais de 2%.

Qual comparação a sra. faz entre as políticas econômicas de Dilma, Lula e FHC?
Comparar com FHC é muito difícil, porque são momentos absolutamente distintos da economia brasileira. O governo FHC estava construindo a estabilidade macroeconômica e esse foi seu grande legado. O país não tinha credibilidade nenhuma no exterior. Ele plantou as sementes que Lula colheu mais tarde.

E entre Dilma e Lula?
Em termos de cenário externo, Lula surfou uma onda inacreditável, mesmo com a crise de 2008. A Dilma pega um cenário externo mais hostil. Por outro lado, ela tem um projeto para o país, mesmo que não saibamos muito bem o que é. O Lula tinha um projeto de permanência no poder. Ela tem visões maiores. Se concordamos ou não, é outra história. O que eu acho ruim na Dilma é o seu viés intervencionista. As medidas de proteção à indústria e de conteúdo local não vão fazer bem para o país. Mas até seu intervencionismo é pragmático. O plano de concessões mostrou isso. Ela parece querer mostrar que não tem medo de mexer nesses ninhos de vespa.

domingo, 22 de julho de 2012

Entrevistas do Sachsida.


Parabéns ao Adolfo Sachsida pela série de entrevistas que ele vem postando no seu blog http://bdadolfo.blogspot.com.br/ com grande nomes da economia, tais como o Mario Jorge Cardoso de Mendonça - Samuel Pessoa - Cristiano M. Costa - Irineu de Carvalho - Gustavo Franco - Marco Bittencourt - Rogério Boueri Miranda - Leonardo Monasterio - Mansueto F. de Almeida Junior e Alexandre Schwartsman, todos comentando sobre se a década de 1970 está voltando.


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VALOR entrevista presidente da AKB.


Mudar a periodicidade de cálculo da inflação anual acumulada para efeito de cumprimento da meta oficial, preferencialmente para 24 meses, dando tempo para absorção de choques de oferta imprevisíveis e passageiros, é uma das receitas do economista Luiz Fernando de Paula, 52 anos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), entidade que congrega seguidores do pensamento do economista inglês John Mainard Keynes (1883-1946).

"Eu diria que se no próximo ano tivermos uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr", disse. Para ele, o cenário externo adverso abre espaço para uma política econômica com juro menor e real menos valorizado.

Na entrevista que deu ao Valor ele defendeu também a mudança da remuneração da Caderneta de Poupança (TR mais 6% ao ano) como forma de não atrapalhar a queda dos juros e disse que, embora a presidente Dilma Rousseff tenha recebido uma "herança maldita", representada pela crise internacional, a política monetária está no rumo certo. Também elogiou a condução da atual diretoria do Banco Central (BC) e afirmou que o país ainda pode crescer em meio à crise, baseado no mercado interno, desde que a crise não se aprofunde ainda mais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Recentemente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira disse que agora temos um Banco Central nacional. As mudanças no BC marcam uma diferenciação clara da política econômica de Dilma em relação à de Lula? Que outras características marcam as diferenças entre as duas políticas econômicas?

Luiz Fernando de Paula: Sem dúvida, o BC passou a ter uma atuação mais técnica e mais independente do mercado financeiro, o que deve ser saudado. O que o BC, na gestão de Alexandre Tombini, está fazendo é não ficar olhando a economia apenas pelo retrovisor, mas também passando a olhar o que poderá acontecer com a economia para a frente. Isso faz sentido porque no regime de metas de inflação a previsão da inflação é um elemento fundamental, já que a taxa de juros tem efeito cerca de seis meses para frente. Contudo, é importante destacar que não há uma mudança no regime de política econômica, em que pese a grita geral dos "falcões do mercado" quando o BC reduziu no fim de agosto a taxa de juros. Há alguma diferenciação na condução da política econômica dentro do marco do regime vigente. Procura-se resgatar o sentido de uma maior coordenação entre política monetária e política fiscal, com vista à redução na taxa de juros básica da economia, que é a grande "jabuticaba" brasileira. A piora no cenário internacional abre uma janela de oportunidade para uma mudança no mix "juros altos-câmbio apreciado", que deve ser aproveitada.

Valor: Como o sr. analisa a economia neste primeiro ano de mandato da presidente? A crise econômica restringiu a gestão a ações reativas ou é possível enxergar uma gestão propositiva mesmo durante a crise?

Paula: Dilma recebeu uma "herança maldita", mas o mesmo pode-se dizer de quando Fernando Henrique Cardoso e Lula iniciaram seus governos. No caso da Dilma, ela herdou uma piora crescente no cenário internacional, como o aumento nos preços de commodities, com impactos sobre a inflação doméstica, e sobretudo os desdobramentos da crise nos EUA e na zona do euro que já começam a ter impacto sobre o crescimento da economia chinesa, nossa grande importadora de commodities. A China, por conta das pressões inflacionárias, não poderá dar a virada que fez em 2009, quando redinamizou a economia doméstica com forte crescimento dos investimentos públicos em infraestrutura. Tudo isso, obviamente, vai ter impacto negativo sobre a economia brasileira. Contudo, como dizem os orientais "crise é oportunidade", e o Brasil pode aproveitar a ocasião para fazer uma espécie de "virada", crescendo para o mercado interno, sem se descuidar do problema da restrição externa ao crescimento, isto é, evitando déficits crescentes em transações correntes. Assim, acredito que é possível fazer uma gestão propositiva mesmo durante a crise.

Valor: Entramos em nova fase de estímulo ao crescimento. Como evitar a recessão sem realimentar a inflação?

Paula: Olha, qualquer prognóstico sobre 2012 é complicado. Há variáveis aí que você não domina. A não retomada do crescimento americano - não é que os Estados Unidos vão entrar em recessão -, que efeitos terá sobre a China e, consequentemente, sobre as exportações brasileiras? O Brasil já vem com uma desaceleração endógena, independente da crise. Essa desaceleração tem um caráter conjuntural e um estrutural. Conjuntural é que, do ponto de vista dos componentes da demanda, todos contribuíram para a desaceleração. O investimento se desacelerou, o consumo privado se desacelerou e também as exportações líquidas e o gasto do governo por conta da manutenção do superávit primário. A economia patinou. A questão do câmbio teve impacto forte do ponto de vista de uma possibilidade de crescimento pelo lado das exportações. E tem o lado estrutural que é a questão que você tem uma tendência à apreciação da taxa de câmbio que vem ali desde 2005 muito forte. A indústria vinha dando alguns sinais de um processo de desindustrialização que não se fazia sentir porque o mercado interno estava crescendo de forma muito acelerada. Compensava-se parcialmente o desestímulo que vinha pelo lado do câmbio. Agora, o que se está observando desde 2010, e mais agudamente em 2011, é que o movimento defensivo da indústria foi no sentido de importar, ou seja, teve um crescimento das importações que entra pelo lado dos bens de consumo, dos bens de capital e dos insumos básicos. Isso me parece que chegou no osso da indústria. Eu acho que chegamos nesse ponto de preocupação, mas eu vejo que, por outro lado, você tem alguns elementos interessantes do ponto de vista da política econômica, uma tentativa de mudança do mix de política e eu acho que nós podemos tentar dar uma virada para o mercado interno. É difícil fazer comparações históricas, mas acho que a gente está em uma situação um tanto semelhante à da década de 30, quando tivemos a crise do modelo agroexportador e a economia voltou-se para o mercado interno, com um processo de substituição de importações, e teve um crescimento vigoroso em meio a uma crise mundial. A partir de 1932 o Brasil já estava voltando a crescer. Evidentemente que a situação é diferente. Nós temos uma indústria hoje. Mas uma indústria que está sendo castigada pela política de câmbio e política monetária. Eu acho que se o governo conseguir dar essa virada, fazendo uma política bem pragmática, mas firme, acho, quem sabe, que a gente possa aproveitar a ocasião para crescer de forma vigorosa.

Valor: Essa guinada pode ser feita com a economia relativamente aberta, como hoje, ou é preciso algum esforço de proteção à indústria? E, novamente, pisar no acelerador para dentro não pode desencadear novo surto inflacionário?

Paula: Olha, economia sempre tem riscos. De qualquer forma, de 2000 a 2011 vários países tiveram uma aceleração da taxa de inflação. Foi o caso da China, da Índia. Claro, inflação é sempre preocupante. Mas não é o pior dos mundos. Eu diria que se no próximo ano a gente tiver uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr. Agora, tudo depende dos desdobramentos da crise mundial. Pode ser que os efeitos se configurem mais graves e, além dos efeitos mais imediatos. Você tem o efeito expectacional que é importante, mas que é subjetivo, difícil de mensurar. Perante a crise é natural que as pessoas ponham o pé no freio porque não sabem qual o tamanho do tombo que vem pela frente. Então, os consumidores vão poupar mais e gastar menos, os empresários vão querer investir menos, os banco vão querer emprestar menos...

Valor: Quando começou a fazer a redução da taxa de juros, o BC foi criticado pelo mercado como subordinado à vontade política da presidente, que pediu a redução dias antes. Agora, se fala que o BC demorou a agir diante da crise, como ocorreu em 2008/09, resultando daí a desaceleração excessiva do PIB e, particularmente, do consumo das famílias. Quem está com a razão?

Paula: Certamente, não tem razão quem criticou a política de redução de juros. O BC, como assinalado, teve um comportamento "forward-looking" (de olhar para a frente). O que se espera de um bom banqueiro central é justamente alguma capacidade de discernimento perante cenários nebulosos. Em dezembro de 2010 ele adotou um conjunto de medidas macroprudenciais, parcialmente relaxadas recentemente, visando a redução dos prazos e desaceleração do crédito ao consumidor (veículos e pessoal), que teve um efeito importante de evitar uma bolha de crédito, mas que acabou afetando negativamente os gastos das famílias. O BC não sabia ao certo quais seriam os efeitos de tais medidas. Junto com isso, há uma desaceleração na taxa de investimento em curso, em função de uma combinação entre efeitos da longa apreciação cambial sobre desempenho das exportações líquidas, arrefecimento do consumo das famílias e política de contenção dos gastos públicos. Há um processo de desaceleração endógeno do setor industrial no Brasil, que poderá ser agravado pela piora no cenário externo. Por isso a economia estagnou no segundo semestre de 2011.

Valor: Diante do quadro doméstico e internacional, o que esperar de 2012?

Paula: É difícil fazer prognósticos em função de um cenário internacional bastante problemático, cujos desdobramentos são muito incertos. Curiosamente, o aumento no salário mínimo, que seria uma espécie de "bomba relógio" em 2012 em função de seus efeitos fortemente expansionistas sobre as transferências previdenciárias e sobre e renda agregada da economia, servirá para evitar uma desaceleração maior no gasto doméstico. O governo terá que acompanhar com lupa o comportamento da economia brasileira, mantendo sua política de redução de juros e, se for necessário, adotando algumas medidas adicionais de estímulo, como redução no compulsório dos bancos e estímulos fiscais pontuais ao consumo. Um esforço de crescimento nos investimentos públicos em infraestrutura poderá contribuir para usar o investimento autônomo de forma contracíclica, já que alguns dos instrumentos usados em 2008-09 não estarão disponíveis, como a expansão do crédito dos bancos públicos. Enfim, se conseguirmos crescer em torno de 4% em 2012, mantendo a taxa de inflação próximo ao centro da meta, ainda que um pouco maior, será uma vitória.

Valor: Em recente seminário de partidos de esquerda vários economistas pediram a desvalorização do real como saída para conter a perda de competitividade da indústria doméstica. É possível o país abandonar o câmbio flutuante e manter o regime de metas de inflação?

Paula: Sem dúvida, há fortes indícios de que a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização precoce, isto é, uma desindustrialização que se inicia com um nível de renda per capita menor ao observado nos países desenvolvidos e sem atingir uma certa homogeneidade nos níveis de produtividade entre diferentes setores. O valor adicionado da indústria de transformação no valor agregado total caiu de 17,1% no segundo trimestre de 2007 para 15,3% no segundo trimestre de 2011, segundo dados da professora Carmem Feijó, da Universidade Federal Fluminense. Por outro lado, o coeficiente de penetração das importações, medido pela Confederação Nacional da Indústria e correspondente à participação dos produtos importados no consumo domésticos dos bens industriais, cresceu de 12,1% em 2003 para 21,5% em 2011, sendo que a balança comercial brasileira é estruturalmente deficitário em bens de maior intensidade tecnológica. Há ainda uma desindustrialização relativa em curso também, pois o crescimento do setor industrial dos outros países emergentes tem sido bem acima do crescimento brasileiro. Acredito que a redução na taxa real de juros, somada aos controles de capitais, poderá contribuir para termos uma taxa de câmbio mais competitiva, sem inviabilizar o regime de metas de inflação. Eu avaliaria seriamente a possibilidade de se introduzir um imposto sobre as exportações de algumas commodities, em caso de termos um câmbio mais depreciado.

Valor: O regime de metas de inflação ainda é o meio mais eficiente de controle dos agregados monetários para manutenção da estabilidade macroeconômica?

Paula: Depende do que se entende por estabilidade macroeconômica. Meu entendimento é que estabilidade macroeconômica significa criar condições para compatibilizar crescimento econômico sustentado, estabilidade financeira e estabilidade de preços. Países que adotaram regime de metas de inflação em geral já vinham de uma tendência de redução na taxa de inflação. Países como China e Índia, com crescimento vigoroso nos últimos 20 anos e sem descontrole inflacionário, utilizam outro regime de política macroeconômica, com conversibilidade restrita na conta capital, câmbio administrado, semifixo no caso da China e flutuante administrado no caso da Índia, e sem uso de um regime de metas de inflação. No caso do Brasil, no momento atual, eu sugeriria algumas mudanças no regime de metas de inflação, como o caso de uma mudança no período de convergência da inflação corrente para a meta, passando do ano calendário para, por exemplo, "inflação acumulada em 12 meses" ou para 24 meses. A ideia subjacente é que choques não previsíveis têm efeitos defasados na economia, de modo que o cumprimento da meta em apenas um ano - se possível - é mais custosa em termos de crescimento do produto e do emprego. Para períodos mais longos ou móveis, seria possível atenuar esses efeitos, sem necessidade de uma resposta mais abrupta da taxa de juros.

Valor: Realisticamente, qual o mix de política econômica a se esperar para 2012?

Paula: Uma busca de mudar o mix de política econômica para uma taxa de juros mais baixa e um câmbio mais depreciado. O governo poderia aproveitar a ocasião de tendência à redução na taxa de juros para fazer uma alteração maior no perfil da dívida pública, diminuindo significativamente a participação de títulos indexados à Selic (LFTs) no total da dívida pública mobiliário, hoje na casa dos 30%. Isso melhoria o funcionamento dos canais de transmissão da política monetária e contribuiria sobremaneira para o desenvolvimento do mercado de títulos corporativos privados. Eu defendo que o governo utilize uma política de Imposto de Renda mais agressiva para desestimular as aplicações de curto prazo. Outro elemento da indexação financeira que o governo Lula tentou mexer, mas acabou que não precisando, mas que a Dilma vai ter que mudar, é algo extremamente popular: a remuneração da poupança. Você não pode manter a TR (Taxa Referencial) mais 6%. O que vai acontecer? Em algum momento, quando a taxa de juros cair as pessoas vão correr para as aplicações de poupança. Quando começar a chegar perto disso o governo vai ter que mexer. Ou vai ter que manter a taxa de juros para não provocar essa corrida de recursos. Vai ter que mexer nisso e colocar remuneração em termos de mercado. É um negócio extremamente complicado, é uma coisa sagrada, vem desde os anos 1970, mas vai ter que se mexer nisso.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Perfil populacional dos próximos anos é receita para desastre


Quando a Terra atingiu o sexto bilhão de seres humanos habitando-a simultaneamente, em 1999, o matemático biológico Joel E. Cohen,67, guardava um certo otimismo.

Via exagero no fatalismo com que alguns estudiosos referiam-se ao futuro e achava que a pergunta que dá título a seu livro mais famoso -quantas pessoas a Terra aguenta?- não era para ser respondida com um número, mas com políticas públicas e iniciativas sociais.

Entre o sexto e o recém-alcançado sétimo bilhão, porém, a humanidade -e seus governos- pouco colaboraram para manter o otimismo do matemático, que chefia o Laboratório de Populações na Universidade Rockfeller e leciona em Columbia, ambas em Nova York.

Em entrevista à Folha, Cohen falou sobre controle populacional, educação, investimento em desenvolvimento e o uso da comida que o mundo produz hoje.

Mas o tom que era de expectativa deu lugar à premência em um planeta que, a seu ver, tem seguido uma "receita para o desastre".

Folha - Quando chegamos aos 6 bilhões, o senhor dizia que a pergunta que dá título ao seu livro era algo em aberto. Aos 7 bilhões, continuamos sem resposta?
Joel E. Cohen - Agora percebemos que a mudança climática é uma ameaça à produção de comida, à vida das espécies, incluindo a humana, com mais clareza do que há 12 anos.
O progresso científico trouxe razões para nos preocuparmos mais.
Hoje também temos o maior número de famintos em 40 anos, segundo o braço da ONU para agricultura e alimentação: quase 1 bilhão.
Até recentemente, o número de pessoas cronicamente mal nutridas estava caindo, mas, nos últimos anos o preço dos alimentos subiu muito, em boa medida devido à competição com biocombustíveis e outros usos industriais da comida. Com isso, a fome aumentou.

Os biocombustíveis têm um impacto significativo? Porque a mudança climática também pesa nas colheitas.
Onde há medição, as colheitas diminuíram por causa da mudança climática. Mas acho que pesam os dois fatores, uso industrial e clima.
Outra questão é a crescente riqueza em alguns países em desenvolvimento. A quantidade de carne consumida por pessoa na Terra subiu, se não me engano, quatro vezes desde 1961. Países antes pobres, como a China, aumentaram enormemente a demanda, e muito do gado é alimentado com grãos, cultivados em terra agricultável que podia ser usada para plantar comida.
Os ricos conseguiram melhorar sua dieta, o que é bom, mas às custas dos pobres, que não têm como bancar a competição com os animais.

O que os governos de um mundo superpopuloso deveriam priorizar?
Em 2009-2010, o mundo cultivou 2,3 bilhões de toneladas métricas de cereais. Do total, 46% foi para a boca de pessoas, 34% for para animais e 18% foi para máquinas -biocombustível, plásticos. Nosso sistema econômico não precifica gente que passa fome. A fome é economicamente invisível. Não é que não possamos alimentar as pessoas -com o que se planta agora, poderíamos alimentar de 9 bilhões a 11 bilhões. O problema é que os pobres não têm renda.

O que o sr. sugere?
A primeira coisa é que todas as 215 milhões de mulheres que querem usar métodos anticoncepcionais, mas não têm sua demanda atendida, deveriam ter apoio financeiro para conseguir anticoncepcionais moderno.
Isso custaria US$ 6,7 bi ao ano para o mundo todo. Os EUA, sozinhos, gastaram US$ 6,9 bi para festejar o Halloween há uma semana [segundo a Federação Nacional de Varejistas]. Devemos dividir a conta com países ricos e pobres. Mas o mundo pode bancar isso facilmente.

E o que mais?
Assegurar que todos tenham uma educação de boa qualidade no ensino fundamental e médio, que permita às pessoas ter renda e ser trabalhadores capacitados.
Isso também melhoraria a velhice, pois gente bem educada na juventude envelhece com mais saúde. E, quando os jovens vão à escola, eles se casam mais tarde. Mulheres educadas costumam ter menos filhos, e seus filhos sobrevivem melhor. As taxas de mortalidade caem.
E a minha terceira recomendação é garantir nutrição adequada para todas as gestantes, lactantes e crianças de até cinco anos. Isso é crucial, pois se a criança passa fome antes de chegar à idade escolar, ela não aprende.

Há problemas de desenvolvimento.
Se você quiser que as crianças tenham cérebros que funcionam, é preciso assegurar que tenham acesso a boa comida. Não estamos fazendo isso. Estamos desperdiçando nossas crianças sem ver o custo econômico.
Há um conceito em economia chamado custo de oportunidade, que é o que você perde ao não explorá-la. Nosso péssimo tratamento das crianças é um custo de oportunidade enorme que não é incluído nos sistemas econômicos nacionais.

O sr. está familiarizado com os programas de transferência de renda no Brasil?
Li pouco sobre eles, mas sei que existem programas similares no México. São maravilhosos. O Brasil e o México estão entre os países mais ricos que levam a questão a sério. Na América Latina como um todo, o número médio de filhos por mulher passou de 6, nos anos 60, para 2 ou 2,1 hoje. Uma mudança enorme.

O sr. atribui isso a quê?
É uma via de mão dupla. Por um lado, as mulheres e meninas receberam mais educação, e houve quedas tremendas na taxa de fertilidade. Por outro, a queda na fertilidade faz com que haja menos crianças precisando de escola. As duas coisas andam juntas. A educação reduz a fertilidade, e a fertilidade mais baixa melhora as oportunidades para a educação, se a sociedade quiser.
Na África subsaariana e no Sul da Ásia, inclusive parte da Índia, você não vê uma queda tão drástica na fertilidade, tampouco melhoras na nutrição.

A fertilidade caiu na Europa, e a população envelheceu. O mesmo tem ocorrido na América como um todo. Mas a fertilidade ainda é alta em partes do mundo, sobretudo na Ásia, como o sr. diz. Qual o impacto, para o planeta, de uma população declinante e envelhecida de um lado e países cada vez mais superpopulosos de outro?
Você tem razão, temos pelo menos dois regimes demográficos hoje. Há mais de 50 países onde os níveis de fertilidade caíram abaixo da taxa de reposição. E há outros com crescimento rápido.
Em 1950, havia três vezes mais gente na Europa do que na África Subsaariana. Em 2010, havia 16% mais gente na África Subsaariana do que na Europa. Pelas projeções da ONU, em 2100 haverá 5 pessoas na África Subsaariana para 1 na Europa. De 3 para 1, fomos de 1 para 5 -a proporção aumentou 15 vezes.
Isso pode significar uma tremenda pressão pela imigração da África subsaariana para a Europa se a África continuar pobre. Por outro lado, se os europeus, se a China e se o resto do mundo ajudarem a África a enriquecer, isso pode significar um mercado enorme para o maquinário, os produtos e até o estilo que a Europa produz. E pode significar prosperidade.

O perfil da população mudou, mas a renda não acompanhou -menos gente tem mais, mais gente tem menos.
É lamentável. É uma situação instável ecológica, política, econômica e socialmente. É a receita para o desastre.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...