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sexta-feira, 24 de junho de 2016

23/06/2016: um triste dia por uma Europa em paz, unida e próspera.

Diversos líderes visionários inspiraram a criação da União Europeia. Sem a sua energia e motivação, não estaríamos a viver na esfera de paz e estabilidade que tomamos como garantidas. De combatentes da resistência a advogados, os fundadores foram um grupo diverso de pessoas que acreditavam nos mesmos ideais: uma Europa em paz, unida e próspera

Nossa homenagem a um dos maiores e que tanta falta faz hoje:  Konrad Adenauer: um democrata pragmático e um unificador incansável.

O primeiro Chanceler da República Federal da Alemanha, que se manteve à frente do novo Estado alemão entre 1949 e 1963, contribuiu, mais do que qualquer outra pessoa, para alterar a história da Alemanha e da Europa do pós-guerra.


A reconciliação com a França foi um pilar fundamental da política externa de Adenauer. Em 1963, sob os auspícios de Adenauer e do Presidente francês Charles de Gaulle, é assinado um Tratado de amizade entre a Alemanha e a França, outrora acérrimos inimigos, que assinala um ponto de viragem histórico e constitui um dos marcos do processo de integração europeia.

segunda-feira, 25 de março de 2013

A perplexidade europeia.


Bresser-Pereira, hoje na FOLHA e sua análise sobre a crise europeia.

A crise financeira da zona do euro foi relativamente superada, mas a crise econômica continua profunda. A crise financeira soberana do euro de 2010 decorreu da crise bancária global de 2008 que levou os Estados a se endividarem para socorrer os bancos.

Ela foi superada quando o presidente do Banco Central Europeu garantiu que compraria no mercado secundário os títulos da dívida soberana dos países.

Entretanto a crise econômica da zona do euro continua sem solução. A economia da Europa como um todo está estagnada, porque as taxas de câmbio implícitas ou internas dos países do Sul se apreciaram em relação às dos países do Norte e as suas empresas deixaram de ser competitivas.

O conceito de taxa de câmbio interna é relativo ao valor e não ao preço de mercado da taxa de câmbio. O valor da taxa de câmbio não decorre das variações na oferta e na procura de moeda estrangeira, que fazem com que a taxa de câmbio de mercado flutue em torno do seu valor, mas é o valor que deve ter a taxa de câmbio para tornar competitivas as empresas existentes no país. O valor da taxa de câmbio depende da relação entre aumento da produtividade e dos salários em um país (o "custo unitário do trabalho") em relação aos demais países.

Em 2003 o então premiê da Alemanha, Gerhard Schröeder, através da iniciativa Agenda 2010, promoveu a flexibilização das leis trabalhistas e, ao mesmo tempo, celebrou um acordo entre empresas e sindicatos segundo o qual os salários deixariam de ser aumentados proporcionalmente à produtividade, em troca de segurança no emprego.

Como os países do Sul não fizeram o mesmo, seu custo unitário do trabalho subiu em relação à Alemanha, a taxa de câmbio interna se apreciou, as empresas perderam competitividade e se endividaram, as famílias também se endividaram, e isso se traduziu em grandes deficit em conta corrente, não obstante as contas públicas continuassem equilibradas (exceto na Grécia).

Para resolver a crise econômica é preciso reequilibrar os custos unitários do trabalho, ou seja, reduzir salários. A forma normal de fazer isso seria cada país recuperar sua capacidade de depreciar a taxa de câmbio - uma solução que distribui por toda a sociedade o custo do ajustamento necessário e o faz em um instante -, mas que exige uma reforma monetária que, de forma planejada, descontinue o euro.

Como os europeus não têm coragem para fazer isso, uma alternativa seria uma inflação que reduzisse os salários reais ao mesmo tempo em que os países do Norte da Europa aumentassem seus salários, mas a Alemanha não aceita perder competitividade em relação à China e aos Estados Unidos. A terceira alternativa é a que está sendo adotada: é a "austeridade", ou seja, a redução dos salários através da recessão e do desemprego. É uma solução desumana cujo peso cai sobre os assalariados e as pequenas empresas. É a solução contra a qual os cidadãos europeus, perplexos, protestam nas ruas e nas eleições, mas, afinal, é a solução possível enquanto não perderem o respeito quase religioso que desenvolveram em relação à sua moeda única.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O vazio pacto fiscal da Europa.


Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do conselho de assessores econômicos do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e foi presidente do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO de ontem. 

A força motora da política econômica da Europa é o "projeto europeu" de integração política. O objetivo é refletido no atual foco da União Europeia (UE) de criar um "pacto fiscal", que constitucionalizaria o compromisso dos países-membros com limites de déficit supostamente invioláveis. Infelizmente, o pacto é outro exemplo da subordinação da realidade econômica da Europa ao desejo dos políticos de se vangloriar sobre o avanço em direção a uma "união ainda mais forte".

O plano sobre o pacto fiscal evoluiu rapidamente nos últimos meses, deixando de ser uma "união de transferências", politicamente impopular, para tornar-se um perigoso projeto de austeridade fiscal e, por fim, uma versão modificada do falecido Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997. No fim das contas, o acordo que emergirá pouco fará para mudar as condições econômicas da Europa.

A forma mais provável de acerto parece ser um acordo bastante moderado obrigando cada país a equilibrar seus orçamentos e que seu descumprimento resulte em penas automáticas, embora seja difícil imaginar quando um país descumpre suas metas

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, de início, propôs a "união de transferências", na qual seu país e outras economias mais fortes da região do euro transfeririam fundos ano após ano para a Grécia e outros países em necessidade, em troca da autoridade de regulamentar e supervisionar os orçamentos e a arrecadação tributária dos governos auxiliados. A população alemã rejeitou a ideia de transferências permanentes dos contribuintes alemães para a Grécia, enquanto a população e as autoridades gregas rejeitaram a ideia de que a Alemanha controle a política fiscal do país.

O próximo passo foi o plano fiscal acertado em Bruxelas no fim de 2011, que abandonou completamente a ideia de uma união de transferências em favor de um acordo em que cada país da região do euro equilibraria seu orçamento. Pelo esquema, seriam impostas penas financeiras "automaticamente" a qualquer país que infringisse o compromisso. Com orçamentos equilibrados em todos os países, então, não haveria necessidade de transferências fiscais.

Como exatamente, no entanto, se definiria orçamento equilibrado? Em carta para as autoridades que negociam o acordo oficial, Jorg Asmussen, membro alemão do Conselho Executivo do Banco Central Europeu (BCE), enfatizou que um orçamento equilibrado significa exatamente isso. Se um país tiver déficit orçamentário porque enfrenta algum mau momento econômico cíclico que derrubou a arrecadação tributária e elevou as transferências de benefícios sociais, ainda assim, será obrigado a elevar impostos e cortar gastos para voltar a ter um orçamento equilibrado.

Se essa proposta fosse de fato adotada, teria como consequência tornar pequenas recessões em grandes retrações econômicas.

A forma mais provável de pacto fiscal, atualmente, parece ser um acordo bastante moderado obrigando cada país a "equilibrar seus orçamentos ao longo do ciclo econômico". Embora seu descumprimento, em teoria, resulte em penas financeiras automáticas, é difícil imaginar como seria possível determinar que houve descumprimento em um país como a Espanha. Em que momento, no futuro, se obrigaria a Espanha, com índice de desemprego persistente em mais de 15%, a elevar impostos e diminuir as transferências sociais? A decisão de obrigar a Espanha poderia caber à Comissão Europeia, com o que se trataria de uma decisão política, em vez de uma condição técnica "automática" como prometido por seus defensores.

Se essa for a essência do pacto fiscal que vai acabar sendo acertado, não terá efeito previsível no comportamento dos países da região do euro. Seu único efeito será permitir que líderes políticos da região do euro possam sair dizendo que criaram uma união fiscal e, portanto, direcionaram a Europa a uma união política mais coesa, o que é seu objetivo final.

Uma união fiscal concebida dessa forma, no entanto, é completamente diferente do que a maioria das pessoas entende pelo termo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo central arrecada cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e paga mais ou menos o mesmo. A centralização dos impostos e gastos cria um estabilizador automático para qualquer região que passe por um mau momento econômico: os residentes da região afetada pagam menos dinheiro a Washington e recebem mais transferências.

O papel fiscal centralizado nos EUA também permite que todos os Estados operem com orçamentos verdadeiramente equilibrados, modificados apenas por fundos relativamente pequenos para os "dias chuvosos".

Embora o atual processo político europeu não vá criar uma forte disciplina fiscal, os mercados financeiros provavelmente obrigarão os governos da região do euro a reduzir suas dívidas soberanas e limitar déficits fiscais. Durante os primeiros dez anos da moeda única, a crença dos investidores do setor privado na uniformidade de todos os bônus soberanos da região do euro manteve as taxas de juros relativamente baixas nos países periféricos, mesmo enquanto seus governos acumulavam grandes déficits e dívidas maciças. Os investidores não repetirão o erro: mordidos uma vez, agora serão duplamente cautelosos.

Para os governos da região do euro, isso significa que os mercados financeiros colocarão em prática o que o processo político não consegue. O pacto fiscal da UE, não importa qual seja sua forma, será pouco mais do que uma questão secundária

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

É o câmbio, é o câmbio...


Antonio Delfim Netto, ontem no Valor Econômico. 

Há algumas semanas tive a oportunidade de afirmar nesta coluna que muitos economistas altamente qualificados manifestaram, no início dos anos 90 do século passado, dúvidas a respeito da possibilidade de uma moeda única poder funcionar na Comunidade Econômica Europeia.

Na antevéspera do lançamento do euro, 150 dos mais renomados e bem apetrechados economistas alemães assinaram um "manifesto" em que condenavam a precipitação de instituir o euro sem antes ter construído uma "área monetária ótima", acompanhada de uma forte coordenação das políticas fiscais entre os países e a construção de um Banco Central autônomo, que pudesse, de fato, exercer a sua função de "emprestador de última instância" nos momentos de crise. Essas, seguramente, pela própria natureza da economia de mercado, viriam a existir. Recebi um e-mail de um gentil leitor perguntando se poderia dar exemplos além dos economistas alemães.

Vou tentar atendê-lo revelando as opiniões de dois brilhantes monetaristas que em 1963 publicaram uma das obras-primas da literatura econômica do século XX, Milton Friedman e Anna Schwartz ("A Monetary History of the United States: 1867-1960"). Em entrevistas independentes, dadas, respectivamente, em junho de 1992 e setembro de 1993 para a magnífica revista do Federal Reserve Bank of Minneapolis, eles falaram sobre o assunto.

À pergunta (junho de 1992): "Qual é a sua opinião sobre o projeto de uma moeda única na eurolândia?", Friedman respondeu: "Não creio que funcione na minha geração. Talvez na sua, mas não tenho qualquer certeza"... e acrescentou: "Seria altamente desejável que a Europa tivesse uma única moeda, da mesma forma que temos nos EUA. Mas para tê-la você precisa de uma área onde as pessoas e os bens movam-se livremente e na qual exista suficiente homogeneidade de interesses, para que não haja estresse político criado pelo desenvolvimento desigual das diferentes partes da área. Para ilustrar. Temos hoje (1992) uma região dos EUA ("Northeast in general"), em grave dificuldade. Se ela fosse um país separado dos EUA, com outra língua e com um suposto governo nacional próprio, seria fortemente tentada a realizar uma desvalorização cambial, o que não pode fazer... Além do mais, a eurolândia deveria ter um verdadeiro Banco Central com toda autoridade, o que implica fechar a Banque de France, a Banca d"Italia e o Deutsche Bundesbank... Os planos pretendem isso, mas é claro que entre pretender e fazer há uma imensa distância"...

No mesmo diapasão, temos Anna Schwartz. À pergunta (setembro de 1993) "Tem a história alguma lição a dar aos planejadores da união monetária da Europa?", ela respondeu: "Os planejadores da União Europeia deveriam estudar com muito cuidado as razões pelas quais o "gold standard"-, anterior à Primeira Guerra Mundial, foi um regime bem-sucedido; por que a Conferência Econômica de Gênova, de 1922, e a Conferência Econômica de Londres, de 1933, falharam; por que o "gold standard" entre as duas guerras entrou em colapso; por que o acordo de Bretton Woods não sobreviveu à inflação dos EUA; por que o Exchange Rates Mechanism (firmado ente os países europeus para coordenar suas taxas de câmbio) está nas "cordas" desde 1992. A lição do passado é que um regime monetário só é bem-sucedido quando países com os mesmos objetivos sofrem os mesmos choques. Os países-membros devem estar dispostos a ceder sua soberania a uma autoridade monetária transnacional. Num mundo de incertezas e choques não antecipados, os países têm prioridades nacionais, que não podem prescindir do uso de políticas monetárias domésticas e, portanto, resistem a assumir compromisso com um único objetivo: a estabilidade dos preços". E termina afirmando que "a história dos regimes monetários internacionais sugere que a união monetária europeia é a non starter"!

Vemos que Friedman e Schwartz (com alguma teoria e muita história) colocam o dedo na real dificuldade do euro: o desequilíbrio das taxas de câmbio nominalmente fixadas na moeda única, mas "virtualmente" flutuantes dentro da zona do euro, pelo dinamismo diferente da economia de cada um de seus membros.
Esse problema só desaparece quando temos uma federação de fato, como é o caso dos EUA, do Brasil e da Alemanha, onde um poder central redistribui para as regiões, que têm um déficit "virtual" em contas correntes, parte dos recursos tributários recolhidos nas outras, sem que aquelas tenham de reduzir seu crescimento ou endividar-se.

Nada disso é novidade. Aliás, foram as dificuldades cambiais dentro do "gold standard" que levaram à tentativa de mimetizar uma desvalorização cambial sem, de fato realizá-la. Um exemplo é o esquema primitivo de Keynes nos anos 30: uma tarifa "ad-valorem" sobre todas as importações e o uso dos seus recursos para subsidiar as exportações, que recebeu o nome de "desvalorização fiscal".

Quem tiver disposição para ver os "progressos" dessa ideia usando o modelo novo keynesiano de Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico (DSGE), não deve perder o artigo "Fiscal Devaluation", (NBER - Working Paper 17.662, de dezembro/ 2011), onde outros instrumentos para tentar realizá-la (aumento de impostos indiretos e redução das contribuições sociais) são sugeridos. Fé, coragem e bom apetite!

domingo, 29 de janeiro de 2012

Reflexões à margem do Sena.


Gosto de ler os artigos do Luiz Carlos Mendonça de Barros, principalmente estes com tom intimista, porém, como sempre, bem econômicos. 

Sempre que posso venho a Paris ainda no inverno, quando a cidade está mais livre das multidões de turistas e o viajante pode se sentir um pouco mais habitante desta cidade que realmente amo muito.

Meu espaço vital preferencial é sempre o Quartier Latin e suas pequenas ruas com traços ainda de uma Paris que sei que não existe mais. Longe de BlackBerries e iPads fica mais fácil -por incrível que pareça ao meu leitor da Folha- seguir os acontecimentos políticos e econômicos neste mundo em crise.

A internet e o dia a dia dos mercados financeiros, com suas informações minuto a minuto, levam-nos na maioria das vezes a análises superficiais e ditadas pela mídia na sua busca do imediato.

Nesta minha viagem fico restrito à leitura dos jornais tradicionais-aqui em Paris eles estão em todos os milhares de bancas de jornais espalhadas pela cidade-, sentado em uma mesa do Café de Flore, meu favorito entre os que existem no velho Quartier.

Apesar de 24 horas atrasado em relação aos mercados, a leitura de comentários e artigos sobre a crise europeia me colocam à frente no entendimento dos reais desafios enfrentados pelo euro.

Afinal, Paris sempre foi um dos centros mais importantes dessa região tão antiga e cheia de história que é a Europa e o "estar presente nos acontecimentos" ajuda muito o analista em sua busca.

O que tem escapado a muitos analistas é a profundidade e o escopo da experiência da Europa unida vivida depois do Tratado de Maastrich, que criou o euro. Esse foi apenas o último passo de uma longa marcha, iniciada em 1950 com a criação do tratado sobre a indústria de aço na Europa continental.

Com os traumas e sofrimentos trazidos pela Segunda Guerra Mundial ainda vivos e presentes em várias sociedades, as lideranças políticas de então iniciaram um ambicioso projeto político -e não apenas econômico- para evitar um novo conflito armado. Com um senso de realismo que faltou a Mitterrand e Kohl -os pais do euro-, começaram um projeto de cooperação centrado nas grandes potências da Europa, que eram a França e a Alemanha.

Foram pequenos passos na direção de uma integração possível e sólida, valores que foram abandonados depois que a queda do Muro de Berlim trouxe um sentimento de euforia e soberba aos líderes políticos de então.

Por isso o que está hoje em jogo são 60 anos de caminhar juntos no objetivo de evitar um novo período de caos e sofrimentos. E a grande maioria da opinião pública nos países envolvidos ainda sabe disso e não quer voltar ao estágio anterior.

Essa é a questão que escapa aos mercados e à mídia -principalmente na Inglaterra- quando pregam aos quatro ventos a inevitabilidade do abandono do euro e a volta da dominância das realidades nacionais no arranjo institucional no espaço europeu.

Isso não vai acontecer mesmo que o custo de reconstruir um euro mais realista e funcional seja elevado e obrigue a um esforço conjunto no espaço de dois ou três anos.

O que deve acontecer é uma volta atrás e a busca de regras que incorporem o fato de que, apesar de unidas em um espaço monetário comum, as nações ainda existem com seus valores culturais e individuais.

E o desenho dessa retirada ordenada em busca de uma união estável, mais realista, ainda não está pronto.

Não por outra razão, a primeira-ministra alemã, em um discurso ontem no encontro de Davos, pediu a confiança dos mercados para que esse novo desenho seja encontrado e implementado ao longo dos próximos meses. Em seu realismo germânico, -corretamente- disse que não existe a solução rápida e única exigida pelos mercados.

E a reação parece ter sido positiva, pois as medidas de risco associadas aos títulos de dívida soberana dos países mais afetados -Itália e Espanha principalmente- recuaram, apesar de a tragédia grega ainda estar em seu auge.

Continuo a confiar que, desafiada pelo fim de um sonho político real que esteve tão perto de ser alcançado, a liderança política da Europa vá ter sucesso nessa sua busca.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A luta continua.


MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje. 

A trégua será passageira; no início do ano os governos da Europa voltarão aos mercados para rolar dívidas

De certa forma, 2011 chega ao fim parecendo 2001: naquela época, ninguém no mercado, ou no público em geral, tinha mais paciência com a crise argentina; agora, o fastio refere-se à trama europeia.

Como o risco sistêmico e os recursos envolvidos são incomparavelmente maiores, a tendência é que a crise europeia dure mais tempo do que a argentina. Além do que, gerações de administradores públicos europeus construíram suas carreiras sobre o projeto da união monetária -logo, uma capitulação seria muito custosa.

Os eventos recentes representam uma tentativa de recolocar o problema em um estágio crônico, visto que a fase aguda, se prolongada, tende a levar a um desenlace desordenado.

No que tange ao sistema bancário, foi notável a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de realizar operações de suprimento de liquidez de três anos, reduzir o recolhimento compulsório e, importante, relaxar os critérios para aceitação de garantias bancárias -que podem chegar a incluir empréstimos, em vez de apenas títulos de alta liquidez e de baixo risco.

Tais medidas devem reduzir, ainda que sem eliminar por completo, o risco de um "momento Lehman" europeu. Mas o progresso na direção do reforço das políticas fiscais foi bem mais limitado.

O resultado da cúpula de 8 e 9 deste mês mostrou avanços parciais na questão do aumento da disciplina fiscal, mas não logrou convencer os mercados, em parte porque a estrutura de monitoramento e sanções pode padecer de vulnerabilidades políticas similares às que viciaram a implementação do Pacto de Estabilidade desenhado nos anos 1990.

Mas, em parte, o desapontamento com essa última reunião de cúpula reflete dúvidas mais fundamentais sobre a solvência de diversos países do continente a médio prazo, que estão relacionadas às perspectivas de crescimento muito ruins.

Simplificando: a sustentabilidade da dívida depende da comparação entre a taxa de crescimento do produto nominal (que determina o ritmo de crescimento das receitas) e a taxa de juros cobrada sobre a dívida. Quanto maior for o crescimento do produto e menor for o encargo de juros, mais fácil será estabilizar ou reduzir a dívida.

Comparado com o caso brasileiro, salta aos olhos que o custo do financiamento da dívida de países como Espanha e Itália ainda é relativamente baixo, inferior a 10% ao ano. Ocorre que as perspectivas de crescimento dessas economias são desalentadoras.

A taxa média de crescimento da Espanha foi de 2,4% entre 2000 e 2010, com desempenho bastante expressivo, expansão média de 3,5%, durante o boom imobiliário de 2003 a 2007. Esse é precisamente o problema: os mercados questionam a dependência do crescimento espanhol em relação ao setor de construção.

A situação italiana é mais dramática. A taxa de crescimento média entre 2000 e 2010 foi de meros 0,6% ao ano -ou 1,5%, se quisermos excluir o período da crise. Com isso, não é necessária uma taxa de juros muito elevada para colocar a dívida em uma trajetória insustentável.

Ainda assim, com o BCE atuando como bombeiro, mirando os focos de incêndio mais graves, e tendo a maioria dos países da região já completado seus planos de financiamento para o ano, um período de trégua pode ocorrer.

Mas a trégua pode ser passageira. Já na segunda metade de janeiro, e em especial a partir de fevereiro, os governos da Europa terão de voltar aos mercados. A Itália, por sinal, terá de fazer a rolagem de € 53 bilhões (e a Espanha, de € 14 bilhões) no mês.

Até lá, ou os governos do continente avançam convincentemente em uma agenda de reformas pró-crescimento (leia-se liberalização de mercados de trabalho e produtos, que ferem interesses politicamente poderosos) ou o bombeiro terá de atuar de forma muito mais intensa -a expansão monetária quantitativa europeia pode vir para evitar uma crise maior, e não como fruto de uma estratégia deliberada das autoridades.

Em outras palavras, para o BCE, a escolha pode vir a ser monetizar para não quebrar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Moeda europeia ou estrangeira?


Luiz Carlos Bresser-Pereira, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta que o erro fundamental do euro é o de ser uma moeda que os países não têm o poder soberano de emitir.  

O euro ainda pode ser salvo? Esta pergunta faz sentido porque há muitos analistas apressando-se a anunciar que o euro falhou e está condenado a desaparecer. Hoje está claro que o euro foi uma ideia arriscada, que afinal apresentou mais problemas do que soluções, mas é cedo para dizer que fracassou. Toda a questão nestes tempos anormais em que afligem a zona do euro está em saber se os europeus continuarão a ter uma "moeda estrangeira" como é hoje o euro ou a transformarão em uma moeda nacional europeia.

O erro fundamental do euro é o de ser uma moeda estrangeira -uma moeda que os países da zona do euro não têm o poder soberano de emitir. Ao adotar o euro, os países renunciaram à sua soberania, porque um requisito fundamental dela sempre foi a capacidade do Estado-nação de emitir dinheiro quando não tem alternativa para pagar suas dívidas. O exercício desse poder implica risco de inflação mas, no caso do euro, esse risco é pequeno. Certamente menor do que o custo que estão incorrendo os países europeus com esta crise.

Na última semana, em uma conferência internacional, o título de minha apresentação foi "No foreign finance, please", porque sei que nada foi pior para um país do que se endividar em moeda estrangeira. Em vez de promover o investimento e o desenvolvimento, o endividamento promove a apreciação cambial, o aumento do consumo, a fragilidade financeira e a crise do balanço de pagamentos. Os países em desenvolvimento se endividaram em moeda estrangeira por populismo cambial e porque equivocadamente acreditavam que deveriam "crescer com poupança externa". Já os países europeus se endividaram voluntariamente em moeda estrangeira -em moeda que o país não tem a soberania de emitir. Um perfeito contrassenso apoiado na suposta autorregulação dos mercados.

Mas os europeus ainda podem tornar o euro uma moeda nacional europeia. Para isto, é necessário que o Banco Central Europeu (BCE) faça o que estão fazendo os bancos centrais dos Estados Unidos e do Reino Unido e emita dinheiro para comprar os título dos países-membros. No caso da zona euro, compre até que sua taxa de juros atinja um nível normal -momento em que a crise estará terminada.

Isso implicará, como contrapartida, uma substancial diminuição da autonomia do país de incorrer em deficit fiscais, e em um severo monitoramento do endividamento privado que se reflete em conta corrente negativa dos países devedores dentro da zona.

Os alemães se opõem a esta monetização da dívida; têm medo de estimular a irresponsabilidade fiscal. Mas economistas alemães aprovaram a proposta que o BCE compre a dívida dos países até 60% do PIB, porque sabem qual o custo para seu país do colapso do euro: quase dois terços das exportações da Alemanha são realizadas para a zona do euro. Por enquanto, o Norte da Europa aproveitou o euro para exportar e investir, enquanto que o Sul, para importar e consumir. Ou essa síndrome perversa é corrigida pelo colapso do euro e a depreciação da moeda dos países devedores, ou é resolvida tornando o euro uma verdadeira moeda nacional europeia do Estado-multinação europeu em formação. 

domingo, 20 de novembro de 2011

Eleição e Economia: o voto e a crise.


Hoje, eleição na Espanha e mais um governo que será derrotado pela crise. Logo, o que importa é 
a economia. Sempre. Perguntem ao José Sócrates, em Portugal; ao Brian Cowen, na Irlanda; ao Gordon Brown, no Reino Unido; ao Geir Haarde, na Islândia; a Iveta Radicova, na Eslováquia; ao George Papandreau, na Grécia; ao Silvio Berlusconi, na Itália. Hojé é dia de Zapatero na Espanha. Sarkozy será o próximo da lista?    

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O que aconteceu com Silvio?


Moisés Naím, hoje na Folha de S. Paulo, comenta que “A queda de Berlusconi é mais uma manifestação do choque entre o dinheiro global e a política local.”

As elites não se revoltaram, e o povo não saiu às ruas. O que pôs fim aos anos de Silvio Berlusconi como o homem mais poderoso da Itália foi o aumento vertiginoso do "spread" nas taxas de juros entre os títulos de dívida italianos e alemães. Se esse "spread" tivesse se mantido em menos de 5%, Il Cavaliere ainda estaria no poder hoje.

A queda de Berlusconi é mais uma manifestação do choque entre o dinheiro global e a política local. George Papandreou, na Grécia, é outra. A mistura das restrições da política local com as exigências do dinheiro global cria um misto tóxico cujas efusões derrubam governos e moldam a economia global. Administrar essa tensão é um dos maiores desafios de nossa época.

"Toda política é local" é um truísmo antigo popularizado pelo falecido congressista americano Tip O'Neill. Entender os problemas locais, até mesmo pessoais, e prometer soluções para eles é muito mais crucial para o êxito político que arquitetar iniciativas para fazer frente a ameaças globais.

Se a política é local, o dinheiro está mais global que nunca. Hoje o mercado global de divisas é oito vezes maior do que era 20 anos atrás. No ano passado, o volume diário de divisas negociadas foi 220% mais alto que o de 2001, e 65% das transações foram internacionais, ante 54% em 1998. O número de empresas estrangeiras na Bolsa de Nova York dobrou em dez anos.

Enquanto isso, a mão de obra é quase imóvel. Apenas 3% da humanidade se desloca para outro país.

Dinheiro que circula à velocidade da luz, comércio que se move à velocidade dos contêineres de carga, governos que se movem à velocidade da política e mão de obra que não se move: isso é a Europa hoje, cambaleando sob efeito da poção das bruxas.

Não temos antídoto para esse coquetel tóxico. Proteger as economias dos caprichos do dinheiro global soa tentador, e alguma coisa precisa ser feita para mitigar esses caprichos. Mas é difícil, custa caro e facilmente conduz a decisões que acabam por agravar o problema.

Controles governamentais primitivos que fomentam a corrupção sem proteger realmente a economia constituem um resultado comum dos esforços para coibir os riscos do dinheiro global.

"Globalizar" a política local também é um projeto que é tão atraente quanto é difícil. Sem dúvida, os políticos devem aumentar a consciência das pessoas de que o que acontece fora do país afeta o que acontece em suas casas. Na Europa, essa tarefa agora está mais fácil. Lamentavelmente, para milhões de pessoas esta crise virou um cursinho rápido e doloroso sobre as conexões velozes e diretas entre o "lá fora" e o "aqui".

A despeito de todos esses problemas, não há escolha: precisamos sintonizar a política local com os imperativos globais e fazer com que as finanças globais reajam mais rapidamente às necessidades locais.

Tenho consciência de que isso é algo que é mais fácil dizer do que fazer e que pode soar ingenuidade fazer a sugestão. Mas seria ainda mais ingênuo desprezar a necessidade urgente de encontrar maneiras para diminuir a distância entre política local e dinheiro global. 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Novo Banco Central Europeu.


Antonio Delfim Netto, hoje no Valor Econômico, escreve sobre o “Novo Banco Central Europeu.”  

A situação da economia mundial tem todos os ingredientes para continuar se agravando. As lideranças políticas não parecem ter a inteligência e a coragem para cortar, de uma vez por todas, o devastador processo de autoestímulos que realimenta a crescente instabilidade do setor financeiro internacional. Esses mecanismos de retroalimentação podem ser vistos, muito simplificados, no quadro abaixo.

A instabilidade do setor financeiro pode ser medida pela sua consequência mais visível, a flutuação da volatilidade do mercado acionário, que tem variado dramaticamente desde a crise de 2008. Depois da liquidação desordenada do Lehman Brothers - que manchará a história econômica como a maior manifestação de miopia e mediocridade das autoridades políticas e monetárias americanas e inglesas -, houve paralisia do crédito interbancário, que voltou a alimentar a instabilidade. A principal repercussão foi o escrutínio e a revelação que a Eurolândia escondia graves comportamentos fraudulentos. O contágio europeu voltou a alimentar a instabilidade, revelada fisicamente na imensa queda das cotações das ações em todo o mundo.

O efeito mais importante dessa queda foi a "destruição" do valor das empresas -que perderam a capacidade de tomar crédito e, no caso dos bancos, de fornecê-lo diante da necessidade de rápida desalavancagem, o que realimentou a instabilidade. Estima-se que, só nos EUA, a queda das Bolsas e a liquidação das hipotecas reduziram em US$ 7 trilhões a riqueza que as famílias supunham ter.

Todas essas retroalimentações sugerem que o sistema hoje roda sobre si mesmo, devido à quebra de confiança de cada agente com relação a todos os outros. Ele só voltará a funcionar quando ela for restabelecida por uma ação decisiva, inteligente, ampla e coordenada das políticas fiscais, monetárias e cambiais de todos os países (talvez no G-20), o que parece pouco provável, ainda.

Os efeitos desse processo sobre a economia brasileira podem ser significativos, mas são de sinal incerto e de mensuração difícil. Há um efeito direto da flutuação das bolsas internacionais sobre a Bovespa, que seguramente "destruiu" valores que a sociedade supunha ter, o que tem algum efeito sobre o consumo e sobre o investimento. Por outro lado, a instabilidade do setor financeiro tende a reduzir o crescimento real da economia mundial, e a paralisia política americana (com uma ajudazinha do Fed) tende a desvalorizar o dólar medido com relação à cesta de moeda dos países que transacionam com os EUA.

A cada desvalorização de 1% do dólar (que valoriza o real), o preço médio das commodities (CRB) tende a cair 3%, o que ameniza a pressão inflacionária. O efeito sobre as commodities pode ainda ser ampliado pela redução do crescimento da China, em consequência do desaquecimento mundial.

As incertezas são tantas que em apenas uma semana "tudo ficou melhor": as Bolsas "explodiram" diante da aparente ação "decisiva" de Merkel e Sarkozy (criação de fundo "virtual" de € 1 trilhão, de origem ainda desconhecida, e a imposição de corte de 50% da dívida grega junto aos bancos); na mesma semana; "tudo ficou pior": as Bolsas "desabaram", quando o primeiro-ministro grego Papandreou, assustado com a reação interna, sugeriu uma "consulta popular", que foi rejeitada. Tem razão Shakespeare, quando nos adverte que a vida é uma viagem perigosa!

Viagem perigosa é a que iniciou, em 1º de novembro, o excelente economista e administrador experimentado, Mario Draghi. Navegador de mar grosso, aos 63 anos é o novo presidente do Banco Central Europeu. Foi diretor do Banco Mundial durante seis anos. Tornou-se famoso nos anos 90, quando salvou a Itália do "default" como ministro do Tesouro, com duro programa de corte das despesas públicas. Fez ampla privatização e desvalorizou a lira para prepará-la para a entrada no euro. Conquistou, com isso, o título de "Super-Mario". Em 2002, foi contratado pela Goldman Sachs como vice-presidente e diretor-executivo, onde ficou até 2005. Assumiu, então, a presidência da Banca d´Italia. É, provavelmente, o economista italiano de maior reputação do mundo.

Draghi não é classificável facilmente. Foi formado por Federico Caffé, renomado e sofisticado keynesiano que desapareceu misteriosamente em 1987. Sob a orientação do célebre Franco Modigliani (Nobel, 1985), foi o primeiro economista italiano a obter um Ph.D. no MIT, onde completou a formação iniciada na Escola Jesuíta de Roma, o que diz alguma coisa.

A definição de quem o conhece bem é a de que "se trata de um economista eclético, com forte formação analítica, pragmática e experimentado no trato político". Com Draghi, o BCE será, certamente, mais arejado do que foi com o sisudo Jean-Claude Trichet. Nele vai ter que internalizar a ideia que o euro não é a moeda alemã. É da Eurolândia e tem de servir aos interesses de todos os seus membros. Já começou bem, baixando os juros...

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Latino-americanização da Europa.


MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comparando a América Latina e a Europa. 

Algumas semanas atrás, participei de uma reunião em Bruxelas que coincidiu com a cúpula em que líderes europeus traçaram o plano para estabilizar o velho continente. Também por coincidência, muitas das delegações à cúpula estavam hospedadas no hotel em que minha reunião -que não era ligada à cúpula- estava tendo lugar.

Inevitavelmente, ao final do dia ou durante o café da manhã, vários colegas e eu conversávamos informalmente com amigos que trabalham nas equipes técnicas que dão apoio às negociações de alto nível.

As histórias, a ansiedade e a exaustão deles (trabalhavam sem parar havia vários meses) trouxeram de volta muitas memórias: numa carreira anterior, eu estive envolvido em um processo semelhante em meu próprio país, a Venezuela, e depois trabalhei no Banco Mundial e estive próximo de negociações semelhantes em outros países.

Em Bruxelas, fiquei fascinado com as semelhanças entre a crise europeia e as que testemunhei no passado. Mas fiquei ainda mais surpreso ao constatar que as autoridades europeias ignoravam as experiências de outros países com crises.

Qualquer sugestão de que poderia haver lições úteis a tirar das crises de dívida latino-americanas era rejeitada educadamente, mas com firmeza. "A Europa é diferente" foi a reação automática deles. "Temos o euro; nossas economias e sistemas financeiros são diferentes, assim como nossa política e cultura."

Isso tudo é verdade. Mas há outras realidades que também são verdade. Entre 1980 e 2003, a América Latina sofreu 38 crises econômicas, e a região -suas autoridades, os reguladores e, sim, até mesmo o público e os políticos- aprendeu com esses episódios dolorosos.

Talvez a lição principal seja o que eu chamo "o poder do pacote". O "pacote" é um conjunto abrangente, maciço, digno de crédito e sustentável de medidas, que não oferece só cortes e austeridade, mas também crescimento, redes de segurança social, reformas estruturais, empregos e esperança para o futuro.

Decisões econômicas fragmentadas, tomadas em partes e frequentemente contraditórias não funcionam. Elas são muito tentadoras, porque criam a ilusão de uma solução que evita as medidas mais impopulares. Mas, mais cedo do que tarde, a realidade teima em mostrar que as medidas parciais não estão funcionando, que se desperdiçaram tempo e dinheiro e que outra coisa se faz necessária.

E essa outra coisa é o pacote abrangente, que inclui remédios fortes para todos os males que afetam a economia: dívida demais, gastos governamentais demais, bancos insuficientemente capitalizados, supervisão ineficiente, políticas fiscal e monetária não coordenadas, baixa competitividade internacional e regras que inibem o investimento e a geração de empregos.

Quando críticos descrevem a crise europeia como sendo "semelhante à latino-americana", pensam na América Latina que sofreu as crises, não na que sabe como evitá-las.

Hoje, a maioria dos países latino-americanos tem economias em crescimento e bancos sólidos. O que desejamos para a Europa é que suas economias comecem a assemelhar-se mais às da nova América Latina e menos às da velha Europa.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Uma tragédia grega.


André Roncaglia de Carvalho é Doutorando em Economia do Desenvolvimento pelo IPE-USP, professor de Macroeconomia e Economia Brasileira da FECAP.

A crise na Grécia vai assumindo contornos trágicos. Paralisada por uma incrível combinação de tristes circunstâncias, a nação que outrora governou o mundo e nos concedeu os mais influentes escritos filosóficos passa por uma crise existencial que questiona o seu lugar junto aos vizinhos europeus. Vejamos mais de perto os detalhes desta novela que se desenrola na mída impressa e digital.

A economia funciona como uma rede. Vários indivíduos se conectam por meio de trocas comerciais ou de promessas de pagamentos. No caso do comércio, precisamos dos outros para nos fornecer aquilo que não podemos produzir, ao mesmo tempo em que os outros necessitam daquilo que nós oferecemos. Assim, posso ter uma cárie obturada mesmo sem nunca terme detido no estudo da odontologia.

Portanto, dividimos nossa vida entre trabalho e consumo. Quando não estamos trabalhando, estamos consumindo e vice-versa. O nosso consumo deixa os donos dos estabelecimentos contentes com os seus negócios, garantindo o emprego de todos os seus funcionários e as compras que faz de seus fornecedores. Estes, por sua vez, sentirão que as vendas estão boas e manterão o emprego de todas as pessoas que ali trabalham.

Como se vê, a prosperidade é um fenômeno coletivo. Se alguns estão em situação pior, é mera questão de tempo até que todos venham a sofrer com isso. Se todos vão bem, o ciclo positivo se reforça e perdura por mais tempo.

Como as riquezas de uma sociedade estão divididas de forma desigual, é bem comum a transferência temporária de dinheiro entre uns e outros, ao que chamamos de empréstimos. Às vezes, precisamos pedir dinheiro emprestado para que possamos consumir bens que não caberiam em nosso orçamento com a renda atual que recebemos. Ao tomarmos um empréstimo, devemos considerar que o futuro nos reserva a obrigação de poupar para que paguemos nossas contas. Se o dinheiro tomado emprestado for utilizado para fazer mais dinheiro, como abrir um negócio ou investir em desenvolvimento pessoal (curso superior, pós-graduação etc.), lá na frente teremos mais dinheiro, de maneira que não será necessário poupar mais. Isto é, o que ganhamos a mais com o investimento é muito maior do que aquilo que devemos para quem nos emprestou o dinheiro. Porém, isso apenas ocorrerá se o nosso desejo de fazer mais dinheiro for compartilhado pelo que a sociedade espera do futuro.

Isto significa que, a meio caminho, aquilo tudo que ia bem passa a enfrentar visões sombrias. Por medo ou por precaução, alguns começam a rever seus planos, reduzir mão de obra, gastar menos em consumo e por aí vai. Quando isso acontece, aquele bom investimento pode se mostrar uma ilusão: quem abriu um negócio não logra vender e quem investiu em educação pode não conseguir emprego, mesmo que seja muito qualificado.

Resultado: todo mundo se recolhe do mercado de consumo, buscando proteger suas contas, poupando para poder quitar suas dívidas. Aquilo que seria bom olhando-se apenas o indivíduo torna-se uma catástrofe, quando a comunidade inteira segue o mesmo caminho simultaneamente. É o velho exemplo de um exército que marchando em sincronia pode derrubar a ponte. Trata-se de um problema de efeitos acumulados. Traduzindo: salvese quem puder.

À Grécia, então. Os gregos são uma economia pequena, isto é, produzem US$ 300 bilhões de dólares que, comparando, equivale ao valor que o Brasil vende à China anualmente em soja, e minério de ferro, dentre outras coisas. A Grécia depende muito dos seus companheiros de União Europeia, uma vez que podem vender a eles sem quaisquer impedimentos, como barreiras e tarifas, que tornariam o seu produto mais caro e, portanto, menos desejado pelos consumidores da Europa.

Por outro lado, a Grécia fica amarrada, porque deve algumas satisfações aos seus parceiros de comunidade. O governo grego deve manter as suas contas em dia, para que não precise tomar emprestado aos bancos. Governo perdulário é como um bêbado: pede emprestado para gastar em coisas que apenas aprofundarão a situação. Nas primeiras vezes, os empréstimos ocorrem, mas começa-se a cobrar uma taxa de juros cada vez maior, para compensar o risco de o devedor não honrar a sua dívida.

Ademais, a Grécia não pode utilizar alguns mecanismos que tornariam a sua economia mais próspera, como baratear os produtos vendidos via taxa de câmbio (um câmbio desvalorizado faz com que o trabalho do cidadão daquele país fique mais barato perante o custo do trabalhador do país que compra seus bens) ou mesmo imprimir moeda para bancar os gastos de seu governo. Feitas essas observações preliminares, vamos à sinopse da tragédia grega.

A crise de 2008 mostrou que os bancos de todo o mundo fizeram apostas ruins em montante estratosférico. Como resultado, quando um dominó cai, todos caem na sequência. Imagine que um dia você vai ao banco e descobre que ele emprestou dinheiro demais a pessoas que prometeram devolver e não devolveram; enfim: o banco quebrou e você está sem as suas poupanças. Mais que isso, o seu banco provavelmente estava endividado com vários outros bancos. Estes percebem que não receberão o dinheiro e também entram em falência. O corre-corre toma conta da economia e tudo fica paralisado.

Para evitar isso, os países desenvolvidos (EUA e União Européia) põem em funcionamento suas máquinas de dinheiro e compram milhões destes pedacinhos de papel para que os bancos tenham dinheiro e não entrem em colapso. Esta é a chamada operação de salvamento dos bancos.

O problema é que este dinheiro é contabilizado como gasto do governo. Ou seja, substituímos a dívida dos bancos pela dívida dos governos. Acontece que alguns tinham mais caixa que outros. Os governos que não conseguem extrair dinheiro da sociedade via impostos, fica com as contas no vermelho. Passa a procurar bancos que lhes emprestem dinheiro para financiar sua gastança. Sabendo do histórico do cliente, os bancos cobram juros de acordo com o risco de não terem o dinheiro de volta.

Quanto mais juros, mais dívida. Quanto mais dívida, mais juros. Em certo momento, a dívida assume um montante tão exagerado que nenhum banco deseja emprestar mais dinheiro àquele país. Foi exatamente o que ocorreu com a Grécia.

Com efeito, o país fica obrigado a recorrer à União Europeia, a qual exige que a Grécia corte gastos e aumente os tributos, para honrar suas dívidas. O governo planeja, então, demissão de 30 mil funcionários públicos, elevação de impostos, proibição de reajustes salariais e redução de gastos do governo com assistência social e outras despesas correntes.

Seguem-se os protestos de rua de uma população enfurecida e crescentemente sem empregos (o desemprego atinge 17% da população) e sem esperança no amanhã. Com a produção sofrendo redução de 7%, temse menos renda, menos impostos e, como a dívida do governo cresce diariamente (a taxa de juros cobrada para emprestar dinheiro à Grécia já passou dos 25% ao ano), e o rombo das contas públicas gregas apenas cresce. O governo grego declarou esta semana: temos dinheiro até meados de novembro. O andar da carruagem sugere que isso se prove equivocado e o dinheiro termine antes.

Enquanto isso, os parceiros europeus discutem demoradamente se salvam ou não o país-colega, prolongando a agonia do povo grego. A decisão ficou para novembro. Até lá, a Grécia fica presa num universo paralelo, em animação suspensa, à espera de um milagre. Que Zeus os acuda!

Fim de semana para ser lembrado.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.

No próximo fim de semana teremos um encontro de chefes de Estado da zona do euro para definição das regras do Feef (Fundo Europeu de Estabilização Financeira), aprovado nos últimos meses pelos parlamentos nacionais.

O Feef terá o total de € 440 bilhões para atuar na estabilização do mercado de títulos de dívida soberana de vários países da região. Em sua primeira versão, o Feef já realizou, com o Fundo Monetário Internacional, três operações de financiamento aos tesouros da Grécia, da Irlanda e de Portugal. Vivia-se então a ilusão de que esses recursos seriam suficientes para isolar esses pequenos países em crise do chamado núcleo duro da Comunidade Europeia.

Mas a crise fiscal se mostrou mais grave do que a prevista pelos políticos. A desconfiança dos mercados chegou rapidamente aos títulos da Espanha e da Itália.

Além disso, ficou claro que os bancos alemães e franceses eram os grandes detentores de títulos da dívida dos chamados Pigs. Os mercados passaram a temer, então, por uma crise bancária sistêmica, com repercussões em outras regiões fora da Europa. Pelo canal financeiro, a crise europeia ganharia dimensões planetárias.

É nesse cenário assustador que se dará a reunião na Europa neste fim de semana. Nos últimos dias, vivem-se no velho continente momentos de Terceiro Mundo. Boatos circulavam pela mídia sobre decisões que poderiam ser tomadas e que faziam oscilar -para cima e para baixo- os mercados.

Manchetes de jornais substituíram análises e considerações técnicas sobre ações de empresas e taxas de câmbio de moedas de vários países. Políticos alemães e franceses, refletindo os conflitos que existem entre os dois países sobre como enfrentar a crise atual, se sucediam em declarações conflitantes.

Os investidores de maior seriedade retiraram-se dos mercados e recolheram-se às aplicações financeiras mais seguras, deixando os mercados nas mãos dos especuladores da pior qualidade.

Vou procurar dar ao leitor da Folha uma visão simplificada sobre as principais alternativas que serão discutidas pelos líderes europeus.
A mais importante decisão a ser tomada será a possibilidade de serem utilizados os recursos do Feef para cobertura parcial de risco de crédito nos bônus emitidos pelos países europeus.

Esse mecanismo permitirá transformar os € 440 bilhões do Feef em mais de € 1 trilhão em garantia para os investidores no futuro. Uma decisão inteligente, mas que precisa ainda de aceitação pelos conservadores políticos alemães.

Outro ponto relevante que terá de ser definido é uma rodada compulsória de aumento do capital dos bancos europeus -algo entre € 100 bilhões e € 200 bilhões- para permitir a absorção dos prejuízos com os títulos dos países mais endividados -como Grécia e Portugal- no caso de uma quase certa moratória.

Nesses dois casos, deverá haver uma redução de pelo menos 50% no valor original dos títulos em circulação para adequar o tamanho da dívida pública a sua capacidade de pagamento.

Mas, para que isso possa ocorrer, sem que uma crise sistêmica seja criada -afetando principalmente Espanha e Itália-, será necessário que a garantia do Feef esteja claramente definida e aceita pelos investidores. Minha expectativa é que esses dois pontos sejam aprovados e que um pouco de calma e racionalidade possa voltar ao mercado nas próximas semanas.

Entretanto, as incertezas e as dúvidas dos investidores devem manter a volatilidade dos principais ativos financeiros por mais algum tempo. Mas pelo menos os governos terão à sua disposição instrumentos mais efetivos para agir. A crise europeia, entretanto, ficará entre nós por um tempo bastante longo. Os ajustes que se farão necessários na maior parte dos países que usam o euro vão precisar de tempo para serem implementados com algum sucesso. Nos próximos anos a economia da velha Europa vai se parecer muito com a do Japão depois da bolha imobiliária dos anos 1980.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...